Aquele que vos fala

"Eu sou uma pessoa simples...mas de gostos complexos" - Calvin & Hobbes

quarta-feira, 21 de julho de 2010

Um guarda-roupas antigo descansava praticamente cosido à parede; feito de cerejeira. Milhares de detalhes compunham a sua existência. Mofo nos vértices dessa obra-prima; o mau-cheiro não agradava o olfato.
A porta era feita de cerejeira também. Bela; contudo a madeira já estava pútrida da água que infiltrava pela parede. Suas dobradiças gemiam um grito de agonia; sua maçaneta já estava com aparência velha, desgastada, enferrujada.
A janela não era aberta há muito tempo, pois nunca adentrou um pincel de luz por ela, e dava para um fundo sem vida.
A cama... grande, de casal, requintada... no entanto apenas um dos lados era aquecido todas as noites.
O senhor que ali vivia, como era já aposentado, vivia rotinas em semanas que pareciam fins. Levanta-se, fervia a água, jogava o saquinho de chá, tomava. Escovava os dentes, sentava no alpendre de seu lar. E por horas mantia-se ali.
Ninguém lembrava-se dele, fato comprovado por sua caixa de correio, vazia, com teias por todos os lados. Ele era um exímio espião: sabia de tudo de todos da vizinhança, enquanto estes nem se davam por sua presença.
Um dia, uma doença o acometeu e o botou na cama; assemelhava-se mais a uma maldição. Nesta situação, ensandeceu.
Em seus delírios, insanidades e afins, sonhava que seus vizinhos checavam o estado dele. Que a falecida esposa o trazia uma canja diariamente. Mas...nem um vulto. Nada nem ninguém reparava em seu estado. Finalmente, o último suspiro foi dado.
E, ao chegar ao outro lado, viu sua esposa e... apaixonou-se novamente.